Navegador da Força Aérea PortuguesaSe recuarmos no tempo verificamos que Portugal é um dos mais afortunados sobreviventes da história, sendo pioneiro em muitos dos acontecimentos da civilização ocidental e acabando com mitos acerca do que estava para além do horizonte.
Até ao século XV o oceano foi um dos grandes mistérios do mundo, porque o medo de “monstros” que povoavam o horizonte longínquo não era propício a aventuras. No entanto em 1415, com a conquista de Ceuta aos mouros, um desejo de exploração invadiu a Corte Portuguesa e a sociedade intelectual da altura. Tendo como principais razões o alargamento do comércio e a Cristianização em nome de Portugal, e como grande impulsionador o príncipe D. Henrique, filho de D. João I, vários acontecimentos se seguiram desde a transposição do cabo Bojador por Gil Eanes, em 1434 à primeira viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães em 1519-1522.
No entanto os Navegadores Portugueses não desapareceram: cinco séculos após a era das caravelas tinham-lhes sucedido as asas dos aviões. Adaptando técnicas de navegação marítima à navegação aérea e procurando outras, Gago Coutinho e Sacadura Cabral, após vários voos de experiência entre Lisboa e o Funchal, realizaram o voo que ligou a Europa ao Sul da América, em 1922. A importância histórica do feito não é, por si só, a ligação dos dois continentes, mas também as técnicas e o novo modelo de navegação de precisão utilizado, a navegação astronómica adaptada à aeronáutica.
Mas com o desenvolver da navegação marítima e a adaptação das suas técnicas à navegação aérea, através de investigações anteriores sobre as propriedades das ondas electromagnéticas, foram desenvolvidos vários sistemas de navegação rádio com especial utilização durante a segunda guerra mundial. Contudo este tipo de ajudas à navegação era limitado, requerendo uma vasta rede de estações em terra e equipamentos a bordo das aeronaves, foi então reconhecida a necessidade de estudar um sistema de navegação que não necessitasse de referências do exterior e então desenvolvido o primeiro sistema de navegação inercial, auto-suficiente, não requerendo qualquer tipo de ajuda para determinar posições ou direcções.
Após o desenvolvimento dos instrumentos inerciais e essencialmente pelo facto de ainda, estes, não efectuarem uma cobertura global (navegação polar), iniciaram-se pesquisas com o objectivo de desenvolver um novo e sofisticado meio de navegação. Desenvolveu-se, assim, o sistema NAVSTAR-GPS que permite aos utilizadores em terra, no mar e no ar, a obtenção da sua posição determinada em três dimensões, a sua velocidade, e uma disponibilidade a todo o momento e em qualquer parte do mundo, “all weather”, com precisão e exactidão melhor do que qualquer outro sistema de rádio navegação disponível nos dias de hoje.
Mas apesar de toda a evolução tecnológica, a Navegação como arte ou ciência assenta essencialmente em dois problemas: a necessidade de saber a posição geográfica e a direcção a tomar para atingir o local de destino.
É deste binómio que nasce o Navegador na aviação.O Navegador dos dias de hoje distancia-se notavelmente do Navegador dos primórdios da Navegação Aérea, não só pelas técnicas e equipamentos utilizados mas também pela quantidade de informação que lhe compete gerir e validar.
O que mudou profundamente foi a aviónica das aeronaves. A aplicação de modernas tecnologias viradas para a informação e técnicas digitais, vieram disponibilizar ao operador uma quantidade enorme de informação que é apresentada nos painéis das aeronaves de forma lógica e integrada, em mostradores não mecânicos, mas digitais. Assim em vez de dezenas de mostradores individuais, surgem-nos, modernamente, nos “cockpits”, uma quantidade muito pequena de ecrãs que apresentam aos pilotos, de forma rápida e de fácil interpretação, toda a informação aeronáutica necessária à sua missão. Parte desta informação relaciona-se com a navegação da aeronave: o piloto quer saber onde está, qual o rumo para chegar ao seu destino e qual a hora de chegada, sendo mais que evidente que estes modernos processos alteram substancialmente o trabalho do navegador como tripulante da aeronave. Porém, se é verdade que a tarefa de navegação se simplificou extraordinariamente, por via da automatização, o mesmo não se pode dizer das aplicações tácticas das plataformas. O que antes era levado a cabo por várias frotas de aeronaves, cada uma com a sua missão específica, é agora executado por apenas alguns tipos de aeronaves, todas elas “multi-role”. Por outro lado, a incerteza quanto à área de operações onde vão operar, a par das ameaças que sobre as ditas impendem, em conjunto com a complexidade dos teatros de operações, aconselha a que a bordo de algumas aeronaves existam tripulantes para validar e gerir esta informação na consecução dos objectivos da missão ao nível táctico e, ainda a recolha dos dados que permitam a decisão estratégica do escalão superior.
Por todos os factos salientados podemos dizer que apesar de toda a tecnologia utilizada e da panóplia de instrumentos que hoje gerimos e validamos os Navegadores Aeronáuticos dos dias de hoje tão bem como no passado demostram que:
"Não basta saber voar, é preciso que o Mundo conheça que os descendentes dos antigos pioneiros do Atlântico sabem voar como também sabem navegar."
Almirante Gago Coutinho